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Mateo Villa atua como Analista KYC em uma das exchanges centralizadas mais relevantes do mercado global. Com mais de 250 milhões de usuários espalhados pelo mundo inteiro, Mateo é responsável pela análise minuciosa dos casos que exigem revisão manual, seja por falhas na leitura de documentos ou por problemas durante o processo de reconhecimento facial.
"É fundamental quebrar o mito de que o setor cripto está ligado a operações ilegais", afirma, enquanto destaca "a rastreabilidade e transparência do blockchain" em comparação com sistemas financeiros tradicionais.
Pergunta: Você poderia nos contar brevemente sua trajetória profissional e como chegou a se especializar na área de verificação de identidade dessa importante exchange?
Resposta: Entrei inicialmente para um cargo no suporte ao cliente, onde me dedicava a resolver problemas dos usuários com a plataforma. Com o tempo, surgiram novas vagas e, como sempre busco crescimento e aprendizado, fiquei super interessado pela área de verificação de identidade. Se pensarmos em uma instituição financeira tradicional, esse é um processo crucial para acessar qualquer produto ou serviço; porém, nas plataformas digitais, não contamos com a presença física do cliente para confirmar quem ele realmente é. Essa necessidade de garantir a identidade dos usuários de forma objetiva foi o que me chamou a atenção. Fiz minha candidatura, iniciei um treinamento intensivo e fiquei fascinado ao descobrir a diversidade de documentos, características e métodos de verificação que existem globalmente. Além disso, contribuir para que as transações sejam cada vez mais seguras dentro do mercado cripto me pareceu extremamente interessante e motivador.
P: Como funciona o processo de verificação de identidade na sua empresa? É totalmente manual ou conta com sistemas automatizados?
R: O processo de onboarding começa com uma verificação automática, realizada por ferramentas externas ou desenvolvidas internamente, que checam a validade e legibilidade do documento, além da correspondência entre a foto e os dados. Se essa verificação inicial encontra algo suspeito (por exemplo, quando o documento não está nítido, a fotografia não corresponde ou certos dados não podem ser lidos corretamente), o caso é encaminhado para um analista fazer uma verificação manual detalhada. Dessa forma, garantimos que até as situações mais complexas sejam resolvidas de maneira precisa e confiável.
P: Com base na sua experiência, quais seriam os maiores desafios na verificação de identidade e nos processos de prevenção à lavagem de dinheiro (AML)?
R: Antes de tudo, acho fundamental quebrar o estigma que relaciona o setor cripto com operações ilegais ou duvidosas. Na verdade, ao trabalhar com criptomoedas, existe uma rastreabilidade e transparência que nem sempre encontramos nos bancos tradicionais. No entanto, precisamos demonstrar que as transações são realizadas de forma segura e que os recursos vêm de fontes legítimas. Assim, tanto os usuários quanto os órgãos reguladores confiam que as normas e procedimentos adequados estão sendo seguidos. Nesse sentido, lidar com documentos de diferentes países, diversos idiomas e a possibilidade de falsificação são desafios constantes. Nossa função principal é garantir que o usuário seja realmente quem diz ser e que os recursos tenham origem lícita.
P: Além da verificação de documentos, existem outras ferramentas ou processos que ajudam a monitorar as transações e garantir sua legitimidade?
R: Sim. Na exchange (e na maioria das plataformas sérias) existem mecanismos automatizados que detectam movimentações incomuns de recursos. Se um usuário costuma movimentar, por exemplo, 10.000 reais por mês e de repente deposita ou retira 50.000, o sistema gera um alerta que a equipe precisa analisar. O mesmo acontece com endereços cripto que foram previamente reportados por atividades suspeitas. Às vezes, esses casos são esclarecidos facilmente, mas em outros, solicitamos que o usuário comprove a origem dos recursos. Isso é fundamental para cumprir as regulamentações e demonstrar que as operações são completamente legais.
P: Então, vocês definem diferentes perfis de risco e analisam as operações com base nesses perfis?
R: Exatamente. Quando um novo usuário registra um volume muito alto de forma repentina, ou quando um cliente habitual apresenta um comportamento transacional fora do padrão, a verificação manual é ativada. As regulamentações do país onde a pessoa reside também influenciam. Às vezes, o usuário pode ficar incomodado por sentir que estamos desconfiando dele, mas existem diretrizes legais que precisamos seguir para preservar a segurança de todos.
P: Quais você considera os principais obstáculos ao realizar seu trabalho, especialmente considerando um volume de usuários tão grande e diversificado?
R: Principalmente, o idioma e a variedade de documentos. Embora internamente usemos inglês, às vezes recebemos usuários da China, Oriente Médio ou África, e cada país tem seus próprios formatos e requisitos. Além disso, a validação de recursos em um processo de prevenção à lavagem de dinheiro varia muito de um país para outro. Em alguns lugares, basta a declaração de imposto de renda; em outros, é solicitado um extrato bancário ou registro de transações. Por fim, a falsificação de documentos é algo contra o qual lutamos diariamente: precisamos distinguir entre documentos provisórios, adulterados ou com dados manipulados. Felizmente, contamos com bancos de dados globais e tecnologia que facilita a detecção e validação.
P: Como vocês gerenciam a entrada de dinheiro vindo de outras plataformas e o que acontece quando as regulamentações mudam repentinamente?
R: Quando o sistema identifica uma movimentação suspeita (ou acima do normal) vinda de outra plataforma, um controle adicional é ativado. Nesse momento, o usuário precisa comprovar que esses recursos têm origem lícita, por exemplo, fornecendo extratos da plataforma de origem. Quanto às mudanças regulatórias, elas não são aplicadas da noite para o dia. Primeiro recebemos a notificação, os procedimentos são atualizados, passamos por treinamentos e depois por avaliações para validar que conhecemos as novas regras. Só então essas mudanças são oficialmente implementadas.
P: Como você descreveria um dia típico no seu trabalho?
R: É um fluxo que depende muito da área em que você está especializado. No início, você se forma na validação de documentos básicos: RG, passaportes, CNH... Depois que domina isso, passa para questões mais complexas, como análise de transações incomuns ou verificação da origem dos recursos. Um dia normal envolve analisar perfis que são sinalizados por diferentes motivos: documentos que não atendem aos requisitos, valores fora do comum, divergências entre os dados registrados e o histórico do usuário... Também há bastante interação com as pessoas: solicitamos documentação adicional ou esclarecemos dúvidas, sempre buscando o equilíbrio entre ser empático e manter o rigor do processo.
P: Qual a importância do compliance dentro desse ecossistema?
R: Considero fundamental, não apenas para cumprir a legislação, mas também por questões de reputação. Muitas pessoas ainda encaram o mundo cripto com desconfiança, e a melhor forma de gerar credibilidade é demonstrando que contamos com sistemas de prevenção à fraude e segurança no mesmo nível de qualquer instituição tradicional. Atualmente, a adoção das criptomoedas é imparável; elas estão se tornando um meio de pagamento e poupança cada vez mais comum. Por isso, o compliance é essencial para transmitir tranquilidade tanto aos usuários quanto aos reguladores.
P: Como você vê as tentativas de harmonização normativa em diferentes jurisdições? Às vezes parece complicado unificar critérios considerando tantos países...
R: É complexo, porque cada país tem seus próprios documentos de identidade e estruturas regulatórias. No entanto, cada vez mais se fala em criar uma base ou padrão universal que permita validar a identidade e os recursos das pessoas de forma homogênea. Isso dificultaria bastante a vida dos fraudadores e geraria uma maior sensação de segurança. Acredito que, mesmo sendo um processo lento e exigente, todo o ecossistema caminha para uma regulação mais consistente em nível global.
P: Você acredita que as recentes regulamentações ou a valorização de algumas criptomoedas estão atraindo mais usuários para o ecossistema?
R: Na minha opinião, o aumento de usuários não está tão ligado à regulamentação quanto ao próprio interesse das pessoas em investir e adotar novas tecnologias. Muitos já não se aproximam do cripto por curiosidade, mas por necessidade: existem áreas e serviços onde só é possível pagar com ativos digitais. Assim, aos poucos, isso está se integrando ao cotidiano. Claro que as regulamentações oferecem um marco de proteção que faz com que o público se sinta mais seguro.
P: Qual é a sua visão de futuro para o mundo cripto e seus processos de verificação?
R: Acredito firmemente que a adoção continuará crescendo. Em alguns países, já é usada massivamente; em outros, vai se desenvolver com o tempo. Nosso papel consiste em garantir que essa expansão seja segura, legal e confiável para qualquer pessoa e para as próprias autoridades. Vamos continuar aprimorando a tecnologia e os métodos de verificação, independentemente do volume de usuários ou transações. Quanto mais pessoas entrarem no ecossistema, maior será a responsabilidade das plataformas e de quem trabalha nesse setor para que tudo funcione de maneira organizada, transparente e segura.
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